segunda-feira, 20 de abril de 2015

Acendendo o Fogo,

Betina acordou. Já é dia pensou. Preciso levantar. ..

Betina gostava de acordar cedo. Costuma pensar que o amanhecer é carregado de magia, um espetáculo imperdível.

O cantar dos galos. O agito dos bichos reclamando por comida...

E  as árvores, naquele arvoredo, tinham identidade e   linguagem própria. Pareciam compreender o doce mistério da vida.  E para completar o cenário, naquele dia, assoviam e dançavam...

Betina era menina moça. Desde muito cedo,  compreendeu que sua relação com essa vida, teria um tom diferente das demais meninas de sua época. Sabia também, que não trilharia um lugar dito comum.  Sacava , que precisaria  construir sua trilha,diferentemente de sua tribo,  mediante um percurso longo e solitário. Entendia que o amanhã estaria  fincado no hoje.  E, a verdade, que lhe parecia  razoável, deveria ser carregada de sentido e de realização. Seu espírito curioso, investigativo, atento, sugeria a vida como um movimento do vir a ser. Uma espécie de desembrulho.

 Adotava como lema: Perambular, tatear, vasculhar e escavar. Muitas vezes, atuava como quem procura agulha num palheiro. Procurava, o que não tinha perdido, com devoção. Betina escolheu como ferramentas, Serrote, Martelo e Pregos, porque seu ofício era abrir e fechar fendas, buracos. Sabia,  que precisava de perfeição, mestria.  Que  o trabalho era árduo e duradouro, mas no final, teria sua recompensa...

E, qual a procura de Betina?

 Ainda jovem, entendia  que a vida, para valer a pena, precisaria  ser conquistada, palmo à palmo. Tarefa não muito fácil ,para uma menina magricela e franzina.

 Por viver no campo. Entendia de lua,  de chuva, de ventos e trovoadas. Apesar de algum medo, tinha relação estreita com escuridões e tempestades.   Adotara uma visão mais naturalística sobre o tempo. Um olhar um tanto apurado sobre o uso da terra, do plantio e da colheita. Entendia que o cultivo teria lá os seus  segredos. Laborar...  E,  que o uso da paciência, nesse quesito, poderia  atuar como grande aliado. Aliás, como em tantas coisas nessa vida.  Concluía,   então, que a vida prescinde de morte. Seria ,  o caso da semente,  que , morre,  para depois germinar . Pensava ela... E, esse movimento  natural da planta, teria alguma relação com a natureza de vida humana? E,  em que medida precisaríamos morrer, para viver de forma mais plena, mais significativa e transformadora? E, o que precisaria de fato morrer?

Betina,  apresentava,   dificuldade de se enquadrar, de cumprir regras, e , principalmente as que se tratassem  da obediência. Viveria em suas entranhas, grande conflito,  quanto ao significado e aplicação  desse termo. O que, lhe rendendera, muitas dores de cabeça.   Era criativa, tinha percepção aguçada, espírito brincalhão, mas,  seu ideário, era manter de pé, essa   alegria. Pra sempre! Sentia prazer em caminhar por caminhos não trilhados.Um frio na barriga... E,  alguns, poderiam entender,  como transgressão, e seria,  mas, para   Betina,   era,   tocar o sagrado...

Gostava de tudo,  que  cheirasse  agreste e  que, possibilitasse expressar, sua natureza mais primitiva ou natural.  Era do campo, mas gostava de ler. Principalmente coisas que refletisse o mundo interior, ligada aos " sete mares" ou a natureza profunda do self  ( inconciente/consciente). Provavelmente, intuía, que a alegria, era resultante de uma força interior maior, uma espécie de  chama  acesa,  força  integradora, resultante de algumas conquistas internas, que eu chamaria liberdade, autonomia.

Certo dia, Betina tomou coragem e  adentrou floresta dentro, sozinha. Apesar, de alguns sobressaltos movidos pelo medo, estava determinada a entrar e viver aquele barato. Enquanto caminhava, enxergava encantada, diversos tipos de flores, árvores, matas, plantas de diversos tamanhos e formas. Um coloridos, de doer os olhos. Uma diversidade de bichos, insetos e aves etc. e tudo compunha,  aquela paisagem .  Um  momento indescritível de  pura adrenalina e emoção. Os sapos e grilos, comandariam a orquestra, sob, os diversos sons ritmados  e em perfeita harmonia. E, tudo movia, tudo dançava. Betina também dançava! Um contexto   extraordinário e  arrebatador. No entanto, depois dessa incursão, o bosque, ficou colado em sua retina.  Teria sido  maldição, pela transgressão? Ou, o passeio teria sido apenas uma  iniciação?  Enquanto isso, Betina,  pacientemente, reorganizava suas ferramentas, porque, sabia que teria muito chão  pela frente. Há! E certamente, precisaria muitos pregos...


Maria Eugênio Maciel

20-04-2015